quinta-feira, 2 de junho de 2011

Uma cena lamentável

(Figura 1 – Meu avô observando as abelhas)

Meu avô sempre conversava comigo sobre as abelhas nativas, falava que antigamente as abelhas faziam muito mel, não só as abelhas, como também, algumas espécies de vespas, como o enxu, o enxuí e o capuxu (são insetos bastante defensivos, aplicam no indivíduo uma ferroada bem dolorosa quando importunados), enfim.
(Figura 2 – Colônia de Enxu Protonectarina sylveirae)

Meu avô é consciente de que tamanha é a degradação da natureza e, atribui ao fato da “queda” na produção de mel destes insetos, a ação predatória do ser humano, o que podemos perceber em sua fala. – “tá tudo desmatado; as chuvas são poucas; os riachos aterrados; os animais: peba, camaleão, tejuaçu, punaré, preá, nambu, seriema... vão à procura de outras moradas, ou muitas vezes são capturados pelos caçadores, muitos deles passam o dia com a noite atirando nessas matas”. - Concordo plenamente com esta afirmação.

(Figura 3 – Ainda restou esse Camaleão)

Ele falou que era muito difícil o camarada chegar numa casa para não vê uma, duas ou três Jandaíras penduradas no alpendre, embaixo de algum pé de imbuzeiro ou juazeiro.

(Figura 4 – Tronco com abelha Jandaíra em alpendre)

Raramente ia-se lá, exceto, de tempos em tempos para a retirada do mel (quando ia). Sobre a situação em que se encontrava a maioria dessas abelhas, em algumas moradias na zona rural, fiz um pequeno verso que reflete bem essa realidade.
Coitadas dessas Jandaíras,
Inspeções não se faz,
Vivem praticamente abandonadas
Nem o mel se tira mais.
As abelhas trabalham depressa
No cortiço todo rachado,
Dão um duro danado.
Cena lamentável essa.

(Figura 5 – Cortiço de abelha Jandaíra em tronco de Anjico)

Outro dia, conversávamos no alpendre e ele me falou de um senhor chamado Miguel Gabriel. – “tinha muita abelha, umas 300 mais ou menos”. Este senhor trabalhava com seu pai numa grande fazenda do lugar (Fz. Ubatuba), meu avô falou que, sempre quando eles retornavam do roçado traziam uma Jandaíra, ou até mesmo, duas, cada um levava uma nas cosas. - Lhe perguntei, como ele tirava o mel? Me respondera: - ele retirava o mel sempre iniciando as 04:00 hs da manhã, para evitar a presença de curiosos; as vasilhas eram exclusivas para esse fim; o instrumento mais sofisticado usado para a retirada do mel era uma faca, utilizava para cortar os potes e depois removê-los, isso quando se tratava de uma caixa. Quando era um tronco, usava uma varinha de marmeleiro, na sua ponta tinha uma volta para poder puxar os potes. Este utensílio era chamado de enzope (já procurei, mas não existe referência no dicionário). Esta palavra, provavelmente, deriva de anzol, até mesmo, pelo formato que ambos apresentam. Quando lhe perguntei, vô, quantas vezes ele tirava o mel dessas abelhas durante o ano? Disse-me, - “uma única vez, como ele tinha muitas, passava até uma semana tirando o mel e engarrafando”. Não era para tanto, pois ele retirava todo o alimento das abelhas, tanto o mel quanto o pólen (saburá). Se ainda houvesse floradas as abelhas se recuperariam, se não, algumas, com certeza, morreriam.

Outras práticas utilizadas pelo senhor Miguel Gabriel foram citadas pelo meu avô durante nossa conversa, como por exemplo: toda a cera que era removida dos cortiços era lavada, secada e guardada e, segundo meu avô, vendida muito caro. A maior parte desta, assim como boa parte do mel era repassado para o senhor Bejamim, um comerciante que saía de feira em feira vendendo mel, cereais e bujingangas (baladeira, bainha de faca, candeeiro e etc). Com relação a algumas práticas adotadas por ele após a retirada do mel, o que são bem particulares, acontecia da seguinte maneira: inclinava-se o tronco, jogava-se um pouco de água para tirar o excesso do mel, deixava-se escorrer por alguns instantes, em seguida, fazia a vedação da caixa com barro, tudo isso, para evitar a presença de formigas e também, do arapuá (Trigona Spinipes).                  

(Figura 6 - Arapuá)

Uma espécie de abelha sem ferrão bastante comum nessa região, é considerada uma abelha saqueadora e daninha, pois destrói os botões florais para utilizá-los na construção dos seus ninhos.
Outro fato que lhe perguntei, foi a respeito dos forídeos e se realizava multiplicações, quanto aos forídeos, meu avô não soube responder, já sobre as multiplicações, falou que ele não fazia, muito embora, deixava algumas caixas vazias na “casinha” e, vez por outra, não com muita frequência, situava um enxame.
O que é lamentável em toda essa história não diz respeito à adoção de certas práticas de manejo empregadas pelo senhor Miguel Gabriel, até por que o acesso a informação naqueles tempos era precário, o meliponicultor ia aprendendo com os próprios tropeços. Muitas abelhas pereceram para poder se chegar ao conhecimento de hoje. Lamenta-se o fato do que restou de muitos anos de trabalho, de uma criação bem zelada, cuidada com muito carinho.

As fotografias explicitam todo esse cenário de cortar o coração:

(Figura 7 – O que restou do meliponário)

(Figura 8 – Percebe-se o quanto ele era cuidadoso)

(Figura 9 – Ele era carpinteiro, vemos isto no acabamento dos cortiços)

Estas fotografias foram tiradas em 2009. No instante em que eu me preparava para tirá-las, chegou ao local o filho de Miguel Gabriel que, hoje reside na casa. Ainda restavam 9 (nove) abelhas Jandaíras. Eu lhe perguntei se vendia, e ele me respondeu que não existia mais abelha, e se existisse se findariam ali. Como pertencia ao seu falecido pai, não as venderia.

Pouco tempo depois, em uma de minhas viagens de rotina a caminho do sítio, percebi que o meliponário havia caído. Depois fiquei sabendo que um trator cortando terra no local, bateu com a grade em uma das estacas de sustentação do meliponário, como a terra estava bastante úmida, o meliponário desabou, exterminando os últimos sobreviventes de duas gerações inteiras de muita dedicação (o pai Gabriel e o filho Miguel gabriel).

(Figura 10 - Lagoa da Carnaúba próxima a residência de Miguel Gabriel)

(Figura 11 – Carnaúbas, estas deram nome ao lugar – Sítio Carnaúba)

(Figura 12 - Pau-d`arco)

Segundo meu avô, esta árvore centenária, próxima a casa onde morava Miguel Gabriel, abrigava dois ninhos de abelha sem ferrão, dentre estas uma Jandaíra e uma Tubiba (já extinta em nossa região) e, ele era o guardião destas abelhas, nunca permitiu a retirada destas pelos meleiros. Quando fui ao local, esta semana, tive uma surpresa, encontrei uma Jandaíra e uma Africanizada, esta não me deixou tirar a fotografia.


Um grande abraço,

São Paulo do Potengi-RN, 02 de junho de 2011.


João Paulo Evangelista de Medeiros
Meliponário Campos Verdes

        
        

4 comentários:

  1. Eita texto bom de ler rpz!
    O cabra vai lendo, vai lendo e fica desanimado quando percebe que está quase no fim!
    Parabéns meu amigo, temos que preservar nossas jandairas e nossas historias.
    Isaac Soares de Medeiros
    http://www.abelhasdosabugi.blogspot.com/

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  2. Amigo Isaac, muito obrigado pelos comentários sempre pertinentes. Preservarmos a História, e as abelhas fazem parte desse processo, é nossa obrigação. Os homens referenciam-se na História, naquilo que outros homens fizeram anteriormente, por essa razão, temos que deixar nosso legado para as gerações vindouras.

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  3. Amigo João,
    parabéns pelo relato,mesmo não tenho chegado a um final feliz...Pois, nem sempre as nossas lutas ou as lutas dos amigos,terminam da forma que nós desejamos.

    Nem preciso dizer,que essa descrição das coisa do meu sertão,me emocionam,pois vc já deve ter percebido o quanto sou "ligado"a minha terra,e sempre que possível,falarei e divulgarei o nordeste,o nordestino sofrido e as nossas abelhas nativas.

    Abraço.
    Paulo Romero.
    Meliponário Braz.

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  4. Olá amigo Paulo Romero,

    Mais uma vez, grato pela visita. E, também ti parabenizo pelo trabalho de divulgação das coisas do nosso Nordeste, de povo sofrido, é bem verdade, mas somos um povo de sorriso no rosto, acolhedor, um povo de identidade que, trava uma batalha incansável por melhores condições de vida. E é isso que nós temos que fazer, até mesmo, para que o "sulista" tire essa impressão errônea, de que aqui existe apenas miséria, pobreza, fome e outros elementos incompatíveis com a dignidade humana. Somos um povo sofrido, somos, agora somos um povo de uma diversidade cultural incrível.

    Desculpe-me o texto longo, é só para enfatizar algumas, de inúmeras características que têm o povo do Nordeste brasileiro.

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