Diferentemente
das abelhas africanizadas que possuem uma extremada capacidade de
aclimatação...
(Figura
1 – Preparando-se para a captura de um enxame de abelha africanizada situado em
um pé de Jurema)
A
abelha Uruçu, assim como as demais espécies de abelhas sociais nativas são
seres mais restritos e especializados às características geográficas de uma
determinada região, as quais ocorrem naturalmente.
(Figura
2 – Abelha Uruçu nordestina na região dos potes de mel)
A
abelha Uruçu nordestina expõe uma relação bastante abeirada com as regiões do
Nordeste de maior precipitação pluviométrica, como as faixas litorâneas, por
exemplo, reduto de mata mais densa e úmida - Mata Atlântica, sendo este bioma
sua província natural, proporcionando as condições necessárias para o
desenvolvimento de suas colônias.
Tal
afirmação se confirma a partir dos estudos realizados em Pernambuco, onde
evidencia o relacionamento da Uruçu com a mata mais úmida (Almeida 1974).
Referenciando (Lamartine 1962) seus escritos acerca da distribuição geográfica
desta espécie, mostrou que ela habita a região úmida do Nordeste. Outra
observação, realizada pelo Dr. Antônio Franco Filho de Sergipe, diz-se da não
ocorrência desta abelha na Caatinga. (Informações extraídas de: www.ib.usp.br/uruçu/distribuicao_geografica.htm,
acesso em: 02 de janeiro de 2014).
Por
tanto, não há evidências da ocorrência natural da abelha Uruçu no semiárido
nordestino. A vegetação acinzentada, com predominância de cactos e plantas de
galhos retorcidos e raízes aprofundadas é o ambiente, reconhecidamente austero,
de seu alado morador, a nossa “Rainha do Sertão”, a Jandaíra (M. subnitda D.).
(Figura
3 – Abelha Jandaíra)
Por
ocasião do III Congresso nordestino de Apicultura e Meliponicultura e III Feira
da cadeia apícola realizado em Campina Grande/PB, fui surpreendido por um
colega, assegurando não ser possível manter com sucesso a abelha Uruçu
nordestina na região semiárida, dito isso, confirmou ter ouvido de uma
professora presente no evento. Mais um dedo de prosa, lhe falei que possuía
alguns exemplares desta espécie e ele, embasado na informação prestada pela
professora, me pediu para que relatasse as técnicas de manejo capazes de
resguardar uma espécie que não é endêmica da nossa região (Caatinga).
(Figura
4 – Manejando a Uruçu)
Em
2012, em meio à severa seca que ainda assola nossa região adquirimos três
colônias de Uruçu nordestina. As conduzimos, então, até a propriedade do amigo
Tita. No entorno de sua moradia existe um grande reservatório de água (se bem
que neste período suas reservas estão ameaçadas devido a grande estiagem que
estamos enfrentando), o que propicia a irrigação de diversas culturas
olerícolas, fruteiras e uma variedade de outras plantas, além de um clima mais
ameno, em virtude da proximidade da barragem, que em tempo de grandes cheias a
água beira o terreiro da casa.
(Figura
5 – Barragem Campo Grande)
(Figura
6 – Cultivo de hortaliças)
(Figura
7 – Cultivo de bananeira)
Reservamos
um lugar para as Uruçus sob o beiral da cocheira, distante apenas uns 10 metros
das Jandaíras.
(Figura
8 – Uruçus sob o beiral da cocheira)
Foi
o primeiro ponto negativo! Elas, inicialmente, não se estranhavam muito, cada
uma no seu lugar sem grandes confrontos, até se irmanavam no alimentador
externo! Um empurrão aqui outro acolá, mas a comida era suficiente, não havia a
necessidade de disputa. Aí vieram as poucas chuvas, tivemos algo em torno de
120 mm, quando o normal é de 600; surgiram as floradas, mesmo que limitadas;
elas saíram à busca de seus subsídios tróficos, com isso foram se fortalecendo,
resultando na necessidade de expandir os domínios, novos territórios careciam
ser incorporados ao seu império. Como a Uruçu é uma abelha que defende
ferrenhamente seu espaço, batalha na certa! 10 colônias de Jandaíras pereceram
diante da poderosa força mandibular e de um contingente populacional bem maior,
sendo que as Uruçus enfraqueceram, pois, muitas vezes, os dois soldados
sucumbiam naquilo que chamamos de abraço da morte.
Sendo
assim, resolvemos construir um meliponário especialmente para abrigá-las; mais
isolado; à sombra de um jucazeiro; ainda em local próximo à represa, onde são
cultivadas hortaliças e uma grande variedade de plantas frutíferas e
ornamentais.
(Figura
9 – Meliponário construído especialmente para abrigar as Uruçus)
Algumas
vivências na lida diária com as Uruçus:
Mantê-las
em local isolado, distante das outras Meliponas de grande porte, como a
Jandaíra, Tiúba, Uruçu amarela, pois podem entrar em conflito na defesa de seu
território;
(Figura
10 – Acomodação das Uruçus em local mais afastado)
A
alimentação que utilizamos e vem dando certo é mel de Apis a 50%. A única desvantagem que elencamos é o encarecimento da
alimentação, mas como produzimos o próprio mel torna-se viável. Uma observação
importante feita pelo Sr. Paulo Menezes, renomado mestre das Jandaíras em nosso
Estado, é que “o mel tem que ser de qualidade, caso contrário você pode está
transmitindo doenças para suas abelhas”;
(Figura
11 – Composto de água e mel de Apis
50% utilizado na alimentação das Uruçus)
Alimentamos
as nossas Uruçus apenas no período da estiagem. De 15 em 15 dias colocamos dois
bebedouros de Sabiá com o mel diluído em cada colônia. Obs.: mediante necessidade, não fornecemos alimento para estocagem,
apenas para consumo imediato. Quando do surgimento das primeiras floradas
cessamos o fornecimento;
(Figura
12 – Alimentação ofertada)
Mesmo
diante de florada abundante elas não produzem mel em quantidade significativa,
lembramos que o Sertão não é seu habitat
natural, apenas para a sua subsistência, mas suas famílias se desenvolvem muito
bem, fornecendo bons discos para divisão;
(Figura
13 – Colônia de Uruçu com bom desenvolvimento da área de crias)
Nossa
região situa-se no perímetro de transição de Agreste para Sertão, por
conseguinte, temos uma maior precipitação do que as regiões do Seridó, Central,
Oeste, que são mais castigadas pelos efeitos da estiagem, onde as Uruçus
sofreriam bem mais;
Nosso
amigo Tita observou por diversas vezes a Uruçu se deleitando da umidade durante
a irrigação das hortaliças, esta permanecia, segundo o Tita, estática nas
folhagens da alface, não sabemos se coletando água, ou se refrescando um pouco;
(Figura
14 – Área de Caatinga da região Seridó, onde dificilmente as Uruçus se
adaptariam)
Durante
as divisões utilizamos três discos de crias, mel de Apis diluído, como exposto anteriormente, e uma mistura de cera de Apis com cera de Jandaíra, sendo que o
pólen ela dá seu jeitinho. Das três colônias que adquirimos inicialmente já
fizemos mais cinco divisões, todas com sucesso;
(Figura
15 – Realizando a divisão das famílias)
Acreditamos
que o fator proximidade da água, onde propicia o desenvolvimento de diversas
culturas agrícolas irrigadas, na cercania onde as Uuruçus estão instaladas tem
contribuído expressivamente para a manutenção destes exames em área de
Caatinga. Elas não dão o espetáculo esperado, mas nos alegra quando saem ao
alvorecer, na busca incessante pela sobrevivência e retornam com suas cestinhas
carregadas, garantindo o sustento da família e a perpetuação da espécie.
Sabemos
e somos conscientes que a manutenção de espécies de abelhas nativas em região
em que não ocorrem naturalmente não é regulamentada por lei, exceto, quando a
finalidade diz respeito a fins científicos, mas, estudamos nossas abelhas
apenas quando estamos vinculados às universidades “possessoras” do saber? O
conhecimento popular não é válido? Nossa dedicação exclusiva, vivenciando e
descortinando novos conhecimentos a cada dia não podem ser incorporadas a novas
teorias? Fica a reflexão.
(Figura
16 – É necessário criar uma legenda!? Simplesmente fantástico!)
Cuidemos
para que num futuro não muito distante recordemos das nossas abelhas sem
ferrão, apenas por meio dos registros fotográficos e das histórias perpassadas
ao longo das gerações!
Um
grande abraço,
São
Paulo do Potengi/RN, em 03 de janeiro de 2014.
João
Paulo Evangelista de Medeiros
Meliponário
Campos Verdes