segunda-feira, 20 de maio de 2013

Resposta de um trovador sertanejo


Meu primo Isaias me mandou um comentário no blog em forma de cordel, com o seguinte mote: A chuva nos devolveu tudo que a seca levou. Resolvi, então, respondê-lo da mesma forma.


Segue, inicialmente, seus versos:


(Figura 1 - Retratos do cordel)


Menino pulando na lama
Em desmedida euforia,
Casal vibra de alegria
Esquentando-se na cama.
Tambor na bica derrama,
É o inverno que chegou.
O barreiro transbordou,
Barragem, açude encheu.
A chuva nos devolveu
Tudo que a seca levou.

Lençol de grama escondendo
Ossada de animal.
A rama do juremal
O gado já tá comendo.
A seca que estava ardendo
Chute na bunda levou,
A chuva lhe expulsou,
A fome aqui já morreu.
A chuva nos devolveu
Tudo que a seca levou.

Ouço na mata uma festa
É sinfonia da passarada,
Como uma orquestra animada,
Ecoando na floresta
Variedade como esta,
Bem-te-vi, Sabiá assobiou,
Bigode, Azulão, Concriz pintou,
Campina, Sanhaçu, Pedrês nasceu.
A chuva nos devolveu
Tudo que a seca levou.

O cachorro acuando
A morada do Preá
E no pé de Trapiá
Um Timbu se entocando,
Camaleão camuflando
Com medo do predador,
Raposa na mata entrou,
Tejuaçu se escondeu.
A chuva nos devolveu
Tudo que a seca levou.

Vejo a florada formosa
No galho da Catingueira,
Mororó, Marmeleiro, Quixabeira,
Cumaru, Juazeiro, Amorosa,
Mofumbo, Jucazeiro, Pau-rosa,
Feijao brabo, Urtiga branca brotou.
A abelha o pólen já coletou.
Um jardim na mata floresceu.
A chuva nos devolveu
Tudo que a seca levou.

Um capote no chiqueiro.
Um peru fazendo roda.
Pavão inventando moda.
Ganso vigia o terreiro.
Galo canta no poleiro.
Pato no lago nadou.
Galinha anunciou
Que o ovo já desceu.
A chuva nos devolveu
Tudo que a seca levou.

Isaias Eduardo


(Resposta)

Pelas veredas do cordel
E na pisada do verso,
Encontro-me aqui imerso
Em desafio de menestrel,
Escrevendo num papel
Aquilo que da mente ecoou,
Sobre a esperança que voltou,
Por que a oração valeu.
A chuva nos devolveu
Tudo que a seca levou.

O agricultor faz louvação
Às orações atendidas,
As noites indormidas
Com tamanha preocupação.
Seu rebanho sem ração,
Pois o pasto já secou.
A dívida do banco aumentou
Por que o dinheiro não deu.
A chuva nos devolveu
Tudo que a seca levou.

O João de Barro faz seu ninho
Com esterco e terra molhada,
A Formiga faz morada
Adornando seu caminho.
Aquilo que era espinho
Em vida se transformou.
O grão de milho germinou,
A Caatinga enverdeceu.
A chuva nos devolveu
Tudo que a seca levou.

O sol de uma manhã orvalhada
Clareando o pé de imbuzeiro.
Vem a fruta do Facheiro
Alimentando a passarada.
O cheiro da terra molhada
Por essas bandas regressou.
No chão a lavoura brotou,
De alegria o peito encheu.
A chuva nos devolveu
Tudo que a seca levou.

Busca a flor a Jandaíra
Na manhã ensolarada.
Colhe o pólen a Rajada,
De flor em flor retira.
Vai crescendo a Cupira,
O Remela enxameou,
Uruçu a entrada enfeitou,
O Mosquito o pote encheu.
A chuva nos devolveu
Tudo que a seca levou.

A chuva traz felicidade
E vida para o Sertão,
Representa o brasão,
Traz também serenidade,
Para o campo e a cidade
A alegria retornou.
O homem do campo louvou,
O brilho no olhar apareceu.
A chuva nos devolveu
Tudo que a seca levou.



Um grande abraço,


São Paulo do Potengi/RN, em 20 de maio de 2013.



João Paulo Evangelista de Medeiros
Meliponário Campos Verdes



terça-feira, 7 de maio de 2013

Entre flores e espinhos: o calvário da seca e a volta das chuvas ao Rio Grande do Norte

Dentre os inúmeros fatores que acometem a região Nordeste, a seca pode ser apontada como um dos principais. Além de ser atribuída à adversidade climática, trata-se de uma circunstância que desencadeia objeções sociais para as pessoas que habitam a região. Esta, diz respeito a um fenômeno natural caracterizado pelo atraso na precipitação de chuvas ou a sua distribuição de forma irregular. A falta de água torna-se um agravante, na medida em que inviabiliza atividades como a agricultura e/ou agropecuária. Sendo assim, a escassez de chuvas ocasiona, sobretudo, a carência de recursos econômicos gerando fome e miséria no sertão nordestino, uma vez que, significativo contingente populacional que habita a região, vive verdadeiramente em condições de pobreza extrema.

(Figura 1 - Por onde as políticas passam despercebidas)

A seca pode ser compreendida a partir de aspectos diferenciados, a depender do índice de precipitações pluviométricas. Ou seja, quando a quantidade de chuvas durante o ano não é suficiente para o desenvolvimento das plantações, esta pode ser considerada Seca Absoluta. Por outro lado, quando as chuvas são suficientes apenas para revestir de folhas a vegetação da Caatinga, ou mesmo, acumular pequena quantidade de água nos reservatórios, mas não favorecem a normalidade das lavouras, estamos falando de Seca Verde.

(Figura 2 - Seca absoluta)

(Figura 3 - Seca verde)
É bastante comum associarmos seca a fenômenos climáticos. Pode-se afirmar que esta concepção encontra-se, hoje, reformulada, pois já existem mecanismos tecnológicos capazes de garantir o sucesso de atividades agropecuárias em regiões de clima semiárido. Portanto, parte-se da premissa que a seca no Nordeste brasileiro não constitui um problema da atualidade. Já dizia D. Pedro II, último monarca do Império do Brasil em fins do século XIX que “empenharia até a última joia de sua coroa para que nenhum nordestino morresse em decorrência dos agravantes da seca”. Nessa perspectiva, a seca aqui na região Nordeste envolve fatores não apenas climáticos, mas também, sócio-políticos.

(Figura 4 - Imagem meramente ilustrativa)

Corroborando com esse pensamento, vejamos: o Nordeste possui o maior volume de água represada em regiões semiáridas do mundo. Estima-se em 37 bilhões de metros cúbicos, estocados em cerca de 70 mil represas. Por que é que grande parte da população menos favorecida do Nordeste brasileiro não tem acesso a água se ela existe?

(Figura 5 - Barragem Campo Grande em São Paulo do Potengi no período das chuvas)

Mas existe também a inoperância de políticas eficazes de distribuição desses volumes, que atenda as necessidades básicas dos nordestinos, por sua vez, permanecendo à mercê de ações públicas assistencialistas que, muitas vezes, não fornecem as bases para condições de desenvolvimento nessa região.

(Figura 6 - Cacimbas feitas nos leitos dos rios para se ter acesso a água)

Dados da seca no Rio Grande do Norte


  •  A mais longa seca em décadas (avalia-se a maior dos últimos 50 ou 60 anos);
(Figura 7 - Cenário desolador da seca)


  • 500 mil pessoas afetadas com a falta d’água;
(Figura 8 - Caminho percorrido pelo nordestino em busca de água)
  • 86% dos municípios estão em situação de emergência;
(Figura 9 - A trágica realidade da maioria dos municípios afetados pela seca)

  • Dos 167 municípios, apenas 23 não decretaram situação de emergência;
(Figura 10 - Agricultor entristecido com a situação)
  • Algumas cidades estão sendo abastecidas, apenas, por carros-pipa;
(Figura 11 - Abastecimento através de carros-pipa)


  • 40% do rebanho bovino do Oeste potiguar já foi dizimado em decorrência da seca;
(Figura 12 - As carcaças adornam o tórrido solo nordestino)


  • Seriam necessários 10 anos de bom inverno para a recuperação dos prejuízos (depoimento de agricultor);
(Figura 13 - As lavouras foram perdidas)


  • Acumulação de dívidas dos agricultores;
(Figura 14 - Os agricultores endividados para a manutenção de seus rebanhos)


  • Em algumas regiões houve 100% de abandono das abelhas apis;
(Figura 15 - Abandono das abelhas)


  • A maioria dos reservatórios já secou ou estão com suas capacidades reduzidas;
(Figura 16 - Reservatório seco)


  • Queda de 2,5 a 3,5 bilhões no PIB estadual (estimativas da Secretaria de Agricultura);
(Figura 17 - Elevam-se os prejuízos com a perca das lavouras)

  • 878 mil bovinos, 396 mil caprinos, 546 mil ovinos e 161 mil suínos serão afetados pela seca até abril (dados da EMATER-RN).
(Figura 18 - Essa é a mobília da Caatinga em períodos de seca intensa)

A seca no Nordeste não constitui uma fatalidade, pois, como mencionado em linhas anteriores, as soluções existem, apenas são ocultadas por aqueles que se beneficiam da indústria da seca. Até quando vamos permanecer na clausura dos discursos políticos - (‘sensibilizados, solidários’?) comum nesse período, frente à necessidade de políticas de convivência com a seca e a criação de ações emergenciais.

(Figura 19 - Enquanto os políticos apenas discursam...???)

A população mergulhada nas agruras da seca se socorre das preces estendidas a São José e Nossa Senhora...  

(Figura 20 – Tirei esta fotografia em uma propriedade no município de São Tomé/RN)

Respaldada na esperança que o Divino Criador possa intervir e amenizar a amargura e encher de vida o Sertão com o retorno das chuvas. Quando estas reaparecem, os discursos silenciam e os projetos, mais uma vez, serão engavetados, como o projeto da construção da barragem de Oiticica na cidade de Jucurutu No Rio Grande do Norte, que aguarda deliberação desde a década de 1950 (- É BRICADEIRA!!!!!!!!!).
 
(Figura 21 - As obras continuam paradas aguardando sair do papel)

Portanto, nobres colegas, o calvário das secas é espelho da inoperância, da má vontade, dos processos burocráticos, da má gestão do dinheiro público, da nossa alienação...

(Figura 22 - Cadê os nossos representantes?)

Depois de dois anos consecutivos convivendo com os dissabores da seca, o homem do campo pôde sorrir, diante de cada broto de feijão e ou milho que nasce depois das primeiras chuvas que caem no mês de abril.

(Figura 23 - Tita exibindo com alegria a melancia do seu roçado)

(Figura 24 - Lavoura de milho do amigo Tita)

(Figura 25 - Flor de Marmeleiro)

(Figura 26 - Flor de Algodão Mocó)

(Figura 27 - As abelhas vão crescendo)

(Figura 28 - Divisão de abelha Jandaíra)

A angústia e a desconsolação que outrora residia em seu peito deu lugar a um misto de satisfação e alegria, alimentando a certeza de que a fartura voltará à mesa e que os animais não passarão mais fome ou sede.

Foram consultados artigos, jornais, documentários e a algumas imagens da internet para a organização do texto.     



Um grande abraço,

São Paulo do Potengi/RN, em 07 de maio de 2013.


João Paulo Evangelista de Medeiros
Meliponário Campos Verdes